
Quanta vida morta existe impregnada nestas salas de espera mórbidas espalhadas por este país e pelo mundo à fora.
Um aquário enorme que abriga os que esperam. Ás vezes são chiques e sofisticadas e têm o codinome de Vips. Mas o conteúdo insípido sempre permanece nelas. Ele nunca decola. Fica lá preso como um fantasma que jamais fugirá.
Por lá vagueiam os filhos que esperam rever a saudosa mãe, os que vão resolver grandes negócios, os que vão rever a “futura” ou o “futuro”. Estas salas guardam os que aguardam ver a cidade esperada, rever a cidade natal amada, aguardam os que querem ver ou apenas serem vistos. Guardam gente importante e gente menos importante.
Gente que se olha, que se desconhece, que se entreolha, que se desconhece de novo. Gente feia, gente linda, gente rica, gente pobre, gente espirituosa, gente tétrica, gente fantástica. Gente que vale a pena e gente que nem tanto.
Crianças correndo, dormindo pelas cadeiras coloridas, crianças berrando: “_Mãaaaaêeeeeeeee onde é o banheiro? To com dor de barriiiiiiiga!”.
É gente que só vai, que não vem. Gente devagar, gente doente. Gente lenta gente apressada. Gente suave, gente teimosa. Gente alegre ou triste. Gente que vai sair de férias, e gente que está indo para o velório do pai. Gente que ri por está indo. Gente que chora por quem ficou. Gente boa, gente má. Gente que nunca vai chegar. Gente que nunca vai ter coragem de partir sozinha.
Numa sala de embarque, somos todos iguais. Somos todos observações ou observadores. Somos sem nome, sem rosto, sem formas. Não temos rótulos. Somos apenas alguém que espera... Espera... Alguém que escreve, alguém que fala ao celular, que olha feio para o filho que insiste em pular por cima da perna magra, pálida e manchada de pintas marrons da Senhorinha doente de 96 anos que está na cadeira de rodas da Tam.
Salas de embarque guardam mistérios absolutos que tantas vezes são dispersos pelos olhares. Elas guardam as nossas buscas, nossos achados. Comparo estas salas a uma dantesca sala de “achados e perdidos”. Pois somos assim. Nós somos os achados e os perdidos. Pois muitas vezes é apenas na sala de embarque que paramos para pensar para onde realmente temos que ir, ou melhor, de onde viemos? Qual o nosso próximo vôo? Qual o nosso destino? Qual será nossa próxima escala? Na verdade estas salas nada mais são que grandes consultórios públicos. Os psicólogos estão estacionados majestosamente através das enormes paredes de vidro. Nos espreitam com suas brancas asas estendidas, tendo no decorrer de seu longo corpo a logo da Tam, da Gol, da Varig, da Alitália, United, sei lá... Estas enormes coisas que voam nos fazem pensar em qual rumo tomar na vida. Já que estes mesmos gigantes que teimam e desafiar a lei da gravidade sempre estão decolando para algum lugar. Sempre têm uma rota a cumprirem e às vezes até têm que fazer um pouso técnico. E você? E eu? E nós dois, meu Querido Leitor? Há quanto não tempo não decolamos de nós mesmos? Há quanto tempo não vamos a lugar nenhum em nós mesmos? Há quanto tempo não mudamos nossos conceitos já tão enferrujados pelo tempo? É tempo de voarmos um pouco para além de nós mesmos. Sermos menos observadores dos outros e decolarmos para dentro de nós mesmos. Não é piegas, e nem sacanagem não. É preciso. Tecnicamente, é necessário. Não temos tanto tempo assim para o próximo vôo. E as escalas? Ah... estas, já não tem tanta importância. O que realmente importa, é sobrar o devido tempo para o último café tomado em pé ali no balcão.
Até mais ou até quem sabe o próximo encontro numa destas salas chatas de embarque, de Brasília, Rio, São Paulo, Florianópolis, Belo Horizonte, João Pessoa, Salvador, Recife, Goiânia ou esta aqui da quente Cuiabá.
Marcelina Oliveira
26/10/05//Cgb// 02:37.
2 comentários:
Parabéns pelo seu blog!
Li por pedaços e gostei!
com mais tempo volto e leio com mais e merecida atenção.
Sempre soube de seu gosto pela escrita, mas não tinha lido nada seu até agora. Leitura cativante e interessante, prende a atenção. Parabéns!
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