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segunda-feira, 13 de abril de 2009





Hoje me olho por dentro com olhos ávidos de coelho, e me vejo do modo que tanto queria ser... Queria ser eu mesma, andar pelos meus próprios caminhos mesmo que me doessem os pés. Queria não ter sido tão protegida, nem ter protegido tanto. A proteção impede as pessoas de serem boas o suficiente para gritarem mais alto mesmo falando baixo. Queria apenas fazer as minhas coisas precisas, simples e boas. Não nasci para estar num aquário. O aquário me sufoca e me enjoa o estômago retorcido e amargo.
Nasci para falar muito, pensar muito, escrever o necessário. Não nasci para um mundo quadrado. Nasci para ser fogo, para acertar as flechadas no meio do alvo sem hesitar. Meu caminho não é este, eu sei disso pois li em meu mapa anos atrás. O mundo tem cordas, mas são curtas. Eu preciso de um meio melhor para achar as palavras exatas que menos doam em minha alma hermética e vermelha. Queria saber pensar, teorizar o que os mestres ainda não entendem. Eu faço o traço inteiro na folha branca de papel de seda, mas às vezes o traço preciso de mais, rasga o papel e desampara o mundo inteiro. Eu sempre me descolo do mundo. O mundo sempre cospe nas pegadas.
Bobagem dos bobos... O que é sempre o melhor, já nasce pronto. Ninguém melhora o bom, ninguém constrói o exato que é o certo bom. Os ruins se teorizam, justamente porque nunca se acham nos dicionários das nuvens. Eu entro em estado de graça e o ruim sai pronto de mim, justamente por que não aprendi a ser boa o suficiente. Ninguém ensina nada a ninguém. As caixas, já nos chegam prontas e lacradas, basta procurar o livro certo. O livro certo. O livro certo. Tenho pavor dos livros certos... Eles são monstros assustadores que povoam nossas vidraças em noites escuras para nos roubar nossos melhores sonhos. São vampiros altos e brancos que sempre vagam velados pela bruma no limiar da vida e da morte. Eles nos pegam e nos levam sempre... Nos tiram de nosso círculo e nos deixam nus nas ruas desertas e apagadas.
Às vezes. Quero voltar para casa. Quero estar em mim ao menos mais uma vez. Mas é missão abortada, porque eu já passei. Desde ontem eu passei e o mundo não viu.



Marcelina Oliveira
13/04/2009