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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

AFORISMOS DE LADY LI
Arquitetura & Literatura...
Irmãzinhas siamesas que falam e tropeçam juntas.
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A Arquitetura é a casa que abriga a Arte.
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Ter um filho é o único modo prático, de nos vermos criança em uma forma física.

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Só as crianças proferem as verdades veladas que os poetas tentam transformar em poesia.

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O oculto das coisas está na essência explicita da descoberta.

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Quem não teve um amor doído, vai morrer oco.

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Ter um irmão é se xerocopiar 1 vez. Ter 3 irmãos é escrever um livro inteiro.

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Quando o último poeta morrer o mundo anoitecerá para sempre.

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A mandioca é a marida da terra.

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Quem tem amante é um equilibrista. Consegue a proeza de pisar em ovos e andar nas nuvens ao mesmo tempo.

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Guarde a voz para não matar o essencial.

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A alma poeta, é aquela que consegue enxergar o mundo com olhos de Letras.

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A Ponte, o Tempo





Niara desceu as escadas de granito azul, vestida em uma iluminada camisola de cetim branco. Sua sombra esfuziante fazia desenhos oníricos na enorme parede lilás. Seus passos cansados e lentos desciam cada degrau da escada com intenção de chegar a lugar nenhum. Passou pelo enorme hall, atravessou a varanda e debruçou-se sobre a mureta e seus olhos buscavam o infinito do mar verde que a engolia inteira. Seus cabelos finos e grisalhos eram acariciados pelo vento forte, suave e salgado. Sentou-se numa poltrona de junco, puxou a mesinha de vidro para mais perto, e abriu o notebook. Já enfadada de suas correspondências maçantes, que sempre eram referentes às orientações de seus alunos do doutorado ou do mestrado; correndo os olhos por sua caixa de e-mail, e em meio a tantos outros, apenas um a chamou à atenção. Muito rapidamente ela o abriu:

“Qualquer dia desses de sol fininho, de brisa amena, te espero em minha sala de jantar verde, para um brunch que eu mesma prepararei. _ minha bacalhoada azeitadíssima continua magistral e imperdível_ Afinal, sou como o malte: quanto mais guardado e envelhecido, melhor. Vinte e cinco anos já se passaram, e nunca mais tomamos bloody Mary juntas. O tempo não contribui com a saudade que avassala. Sinto apenas o tempo passando e nossos momentos passados me chegam como sorrisos nestes tempos de solidão arrebatadora. Às vezes sinto, que de nosso tempo só restou você e eu neste mundo que já não é nosso (será que o foi algum dia?). Lembro-me dos bares, dos amores, das brigas, do companheirismo, de nossos maridos. Lembro-me sempre do que vale à pena. Lembro-me das duas amigas que o tempo levou pelas mãos. Adeus, Querida.
De sua amiga dos mesmos verões para sempre, Breslaw."

Niara baixou os olhos molhados e desviou lentamente a cabeça num movimento que acompanhou o encher-esvaziar do tórax, terminando o movimento num suspiro distante, longo, necessário, perdido, duradouro, nostálgico.
Voltando ao passado, Niara por uns instantes intermináveis e inesquecíveis que permeavam pelos seus caminhos cores, sons, palavras, sonhos, tantas perdas... Lembrou do tempo bom que passaram juntas, da amizade coesa.
Quantos jantares de letras, pensamentos, idéias únicas, passageiras ou brilhantes, questões, discussões, já tiveram juntas. Eram um modelo de mãe e filha, permeado inerentemente pelo amor de irmã mais velha. Eram amigas de fé e juntas, já viram a aura amarela de uma Bromélia. A Bromélia morreu com o passar dos anos, tal como tudo passa, tudo vai se esvai, fenece. Num tempo jovial e perfeito, discutiram tantos assuntos, manifestos, lutas intermináveis e perturbadoras, admiráveis conquistas.
As porcelanas, as louças, os cristais, os móveis, as paredes cobertas por telas pálidas e o cachorro grande e similar, já estavam habituados às palavras gritadas com olhos saltados, todas as vezes que elas contavam suas coisas da alma, suas histórias. _ os olhos saltavam para reafirmar e sinalizar com o corpo a verdade proferida. A verdade que a ninguém pertencia._ Apenas a elas duas.
Eram tão amigas que a mão de uma se guiava pelo entendimento da outra e juntas escreveram cartas.
Naquela distante época, elas planejavam, navegavam, vagavam pela mesma superfície. Andavam pelos mesmos caminhos, apesar das sinalizações diferentes.
De tão próximas planejavam até um chá de Letras com a amiga Adélia, lá nos confins das minas gerais. Elas planejavam tocar a alma plena-poética da mulher de papel.
Mas... O tempo é implacável. As amigas se despediram um dia ainda jovens. Desandaram-se uma da outra e não mais andaram na mesma superfície. Uma ficou, outra entrou em um avião. Uma continuou seu casamento colorido e vivo, a outra deu adeus ao rei. O tempo fugia-lhes cada vez mais rápido. Ambas olhavam pela janela do trem e enxergavam apenas o sombreado dos traços desbotados que a velocidade do tempo lhes permitia ver.
Sentada majestosamente na varanda da sua cobertura de 5 milhões de reais, em Florianópolis , a conferencista Niara calmamente fechou a tela do seu notebook e percebeu a ação do tempo quando examinou as suas mãos claríssimas envelhecidas, enrugadas e manchadas. Niara, respirou seca e profundamente a brisa de saudade que a amiga lhe enviou pelo e-mail. Naquele momento a vida as uniu de novo. Em algum lugar. De alguma maneira. Por mais algum imensurável tempo.
Marcelina Oliveira
Sinop/ Carnaval de 2008